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Com 91 anos, ex-vereador ‘mais votado’ em Sidrolândia vive como ‘despachante’

O senhor de 91 anos surge impecável mesmo diante da bagunça na sala pequena, alugada na antiga rodoviária de Campo Grande. Longe de qualquer tecnologia, o trabalho feito ainda na máquina de escrever é o motivo que faz Altivo Brum ir do Aero Rancho ao Centro da cidade todos os dias para trabalhar como despachante.

Ele é um dos mais antigos e remanescentes no local, que não abre mão do trabalho por conta do tempo. Aposentado e com mais de 40 anos de ofício, hoje ele quase não tem clientes, mas nem o vazio da sala é capaz o fazer desistir. |Antes, eu agilizava 20 documentos por dia, hoje eu não consigo nem 20 por mês|, afirma.

Altivo não tem outra função, além de alguns licenciamentos e transferências que só consegue fazer por meio de procuração, já que há tempos não consegue a licença como despachante. Mesmo assim, ele se mantém firme porque a sala é a única distração na vida de aposentado.

E olha que Altivo já foi muito reconhecido por aí. Nascido em Rio Brilhante, ele diz que sempre foi um homem político e interessado pela vida pública. Conquistou o cargo de vereador em 1972 no município de Sidrolândia. O certificado que comprova os 1.635 votos ele exibe cheio de orgulho na parede da sala. |Nunca um vereador na história teve tanto voto quanto eu naquele período. Eu sigo isso quando o voto era diferente desse sistema política que a gente tem hoje|, explica. (Ele também foi Presidente da Câmara de 31/01/73 a 31/01/75)

Também atuou como juiz eleitoral e profissão despachante veio alguns anos mais tarde quando chegou a Campo Grande. |Eu fiz vários cursos e aqui na cidade tive um escritório grande bem ali na frente da rodoviária. Era despachante e estacionamento, vivia cheio, mas depois que eu separei, resolvi deixar tudo pra ela e vim pra essa sala|, recorda.

Sem perder o bom humor, Altivo conta sorrindo que o tempo não deixou espaço para mágoa. |Eu fui um homem muito festeiro. Só de casamento eu tive umas três mulheres e sou amigo de todas elas. Então o que ficou para trás, é passado|, conta.

Ele garante que não se arrepende de tantos amores. |Porque a coisa que eu mais gostei nessa vida foi mulher, porque melhor que uma mulher, só um caminhão cheio de mulher|, brinca.

Pai das antiguidades, a sala de Altivo parece ter parado no tempo pelo jeito que ele insiste em trabalhar. A TV velha dos anos 60 foi presente de um amigo que não há dinheiro no mundo que pague. |Eu ganhei de um comerciante que tinha aqui. Ela não funciona mais, mas eu não vendo de jeito nenhum, é como ter um pedaço de um amigo|.

A máquina de escrever é outra relíquia que ele não esquece o barulho das |teclas|. |Eu já tive computador, mas essa aqui é do meu tempo. Não abro mão de jeito nenhum|.

Na estande ao lado da mesa, estão fotografias da família, certificados, documentos antigos e muitos livros. Apesar de ter parado a faculdade de Direito por falta de recursos, Altivo nunca deixou de estudar. |Leio tudo sobre  Direito Penal, é o assunto que eu mais gosto|, afirma.

Mostrando um pouquinho do espaço que só ele sabe onde está cada objeto, o jeito asseado fica claro na coleção de chapéus. |Só aqui tenho 25 deles, quase um por dia, a gente tem que trabalhar arrumado, né|.

Depois de tanta vida de trabalho, a memória é cheia de saudade, desde que o terminal foi desativado em 2010. |Era um tempo extraordinário. Tinha trabalho para todo mundo nesse lugar, o escritório mesmo ficava cheio de cliente|, recorda.

Sobre o tempo, Altivo diz que queria mais energia para continuar trabalhando. |Se pudesse queria conseguir fazer uma escola e tirar todo esse povo da rua que está sofrendo com violência e droga perto desse prédio|, diz.

Como quem gosta de uma conversa, Altivo se despede desejando satisfação e diz que nada é capaz de fazê-lo sair dali enquanto tiver condições de trabalhar. |Isso daqui pra mim é uma satisfação e uma distração sabe. Eu tenho muito amigos, passo o dia aqui trabalhando e conversando, é o melhor|.

Lado B – Campo Grande News